06 maio 2007

A mão de deus e o simplex autárquico

Conceição Branco - Jornalista
in:Observatório do Algarve


O Maradona entrou directamente para o panteão dos jogadores míticos, tanto pelas suas qualidades futebolísticas, como por usar sabiamente as vantagens de transformar uma "mão na bola", numa jogada da “mão de deus” e com isso, fugir ao penalty e ganhar a copa do mundo.

Lembrei-me desta história, já um tanto antiga, reconheça-se, a propósito do Simplex dos procedimentos autárquicos, anunciado pelo governo Sócrates no último debate mensal na Assembleia da República.

No geral, e a crer no Governo, há menos burocracias nos planos de ordenamento do território, e as autarquias vão poder aprovar planos directores municipais, de pormenor, e julgo eu, as famosas UOP – Unidades Operativas de Planeamento, por sua conta e risco e, evidentemente, responsabilidade.

Quanto ao Governo e respectivos órgãos desconcentrados, dão a sua opinião e o seu aval numa única conferência em que se juntarão todos os interessados na matéria, presumo eu que, chumbando ou aprovando, de uma penada, as propostas autárquicas.

Sem pretender desmerecer o esforço de simplificação, que nesta matéria era indispensável, tal a profusão de legislação, quase sempre dispersa, contraditória e castradora, para quem quisesse apostar no desenvolvimento ou até no simples crescimento, surgem-me algumas questões:

Se as obras mais simples não irão carecer de autorização autárquica, como é que vai ser? Qem autoriza e fiscaliza? e Qem pune os infractores?

Recorde-se que ainda não foi regulamentada a lei sobre a responsabilidade da construção, que obriga a que os arquitectos intervenham nos processos.

A lei esteve meia dúzia de anos até ser aprovada e só o foi depois de uma iniciativa legislativa de cidadãos.

Aparentemente, ficam os construtores com a responsabilidade. Sabemos todos nós do profundo défice de sentido de urbanismo e da tendência dos senhores do betão para se apropriarem da coisa pública para benefício próprio.

Seria interessante começar este simplex autárquico a regulamentar a tal lei tão relutantemente aprovada e assim garantir pelo menos um mínimo de qualidade à construção.

Em seguida, haveria que dar um prazo para que todas as contrapartidas a que os construtores se obrigam para “caçar” as licenças de construção e habitação fossem realmente cumpridas.

Pormenores do género de terminar os arruamentos junto dos prédios, ajardinar as áreas adjacentes, construir estacionamentos, respeitar cérceas...

Uma fiscalizaçãozita aleatória quanto à qualidade dos materiais, se o tijolo é de 14 quando devia ser de 16, se os ferros das fundações encolheram de 12 para 10, era um bom exercício para a ASAE, Autoridade de Segurança das Actividades Económicas, tão activa que ela está a mostrar aos vendedores das feiras que, ou andam na linha, ou vai atrás deles a polícia de choque.

Voltando à construção, afinal a casa é o bem onde os portugueses investem a quase totalidade das suas poupanças e estamos, na maioria dos casos, à mercê das boas relações dos «patos bravos» com a máquina autárquica, para não usar palavras mais desagradáveis como corrupção passiva, activa, mais ou menos ou vice-versa.

Simplificar começando a construir a casa pelo telhado, não costuma dar bom resultado. Ou cai o dito, ou as paredes ficam tortas, ou pura e simplesmente fica “tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”.

Lá terão as autarquias de inventar novas fontes de rendimento, agora que deixaram de poder amealhar com as licenças de construção, de alteração do projecto, de habitabilidade, de conformidade com o gás a luz, o telefone e etc e tal…

Quanto aos construtores, sabem que o facto consumado costuma dar rendimento. Primeiro atropela-se a lei, o bom senso, o urbanismo, a qualidade de vida e depois logo se vê o povo que se junta. Quando um embargo demora sete a dez anos a ser resolvido pela justiça, porque não arriscar?

Coisa ainda mais séria, porque vai condicionar o desenvolvimento do Algarve nos próximos vinte anos, é a questão do PROTAL –Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve.

Já está pronto e entregue à tutela vai para mais de 3 meses, e não há meio de ser homologado. Nestes meses de moratória foram aprovados, reportando à legislação do antigo plano, mais investimentos imobiliários do que nos cinco anos anteriores.

Que o diga a Comissão de Coordenação Regional, sem mãos a medir para tantas solicitações, mais uma meia dúzia de autarquias, na sua maioria no litoral.

Curiosamente, com ou sem PROTAL, o Simplex das licenças autárquicas aplana ainda mais as regras e há fundados receios que se transfigure numa “na mão de Deus” igual à do Maradona, desta vez abençoando mais e mais betão, sem lei, nem rei.

Alguém ganha, mas não o Algarve, nem os algarvios ou os visitantes em busca de qualidade e diferença.

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