23 outubro 2006

O lobo andou pelos sítios

O autocarro do teatro andou pelas "aldeias", este fim-de-semana, e fomos espreitar o adeus de “Rapsódias e Lobices”.

“Isto é bom, para a gente se rir”, diz uma das septuagenárias, junto ao lavadouro da aldeia de Mesquita, em São Brás de Alportel.

Sentados num banco, cinco idosos ainda comentam, como se fossem crianças, o espectáculo a que acabaram de assistir. “Estas estórias são engraçadas, a gente já as conhecia, são do tempo da minha avó”, recorda Maria Inácia.

Dentro do autocarro, não pararam sossegados. “Isto faz lembrar os bonecos que havia – dizia uma senhora - referindo-se, provavelmente, aos de “Sto. Aleixo” que outrora existiam nas feiras.

Em palco, Jorge Soares – o Lobo -, Patrícia Amaral – a Raposa – e Carla Dias – a Ovelha e mais um par de bichos -, dão corpo às personagens que transportam as Fábulas de La Fontaine pelo interior do Algarve, a bordo de um autocarro. Na rectaguarda, a motorista Luísa Silva, veste também a pele de técnica de som e de luzes.

O lobo, a raposa e as ovelhas mexem-se como podem, num espaço reduzido que os actores fazem parecer enorme. A transformação acontece sempre que a porta do autocarro se fecha.

Revestido a preto no interior, tem montada uma “teia” de iluminação, régie de som e luz, palco à frente e plateia atrás.

Os 30 lugares encheram, com mais idosos do que crianças!

“Há muitos que quando é a primeira vez chegam a medo, e depois na segunda sessão já vêm muitos mais, porque passam palavra. E até repetem, vêm ver duas vezes a peça!”, diz Patrícia Amaral, a coordenadora do projecto “VATe - Vamos Apanhar o Teatro”, da ACTA, a Companhia de Teatro do Algarve.

Patrícia já perdeu a conta às vezes que vestiu a pele de raposa, mais de cem, seguramente. Muitas delas nas escolas, com direito a segundo acto. “Nas escolas, fazemos o espectáculo de manhã, e à tarde damos um atelier, em que pedimos às crianças para inventarem uma estória. Depois, passados três meses, voltamos a essa escola e somos nós que nos sentamos no lugar do público, eles são os actores, e isso é muito interessante”, explica.

Numa iniciativa inédita no Algarve, estes três actores levaram a arte de representar a locais onde o teatro nunca tinha pisado. Deste trabalho, tiram uma experiência gratificante: “Há muitas crianças que nunca foram a uma sala de teatro ou de cinema, e esta é uma oportunidade única. O autocarro é mágico, e este espaço ajuda-nos bastante na formação de públicos”, acrescenta.

O “teatro itinerante” começou a circular pelo Algarve em Fevereiro. Desde aí nunca mais parou. Resultado de um investimento de 280 mil euros, é único em Portugal. No estrangeiro há dois, um em Sevilha e outro na Dinamarca.“Dá-me gozo saber que é um projecto regional, que se conseguiu com o apoio de todos os municípios do Algarve”, finaliza Patrícia Amaral.

Lá fora, no banco, os “velhinhos” recordam outras estórias, como a de um neto que em França enfiou a cabeça nas grades de uma vedação, e depois não conseguia sair. “Estava a ver que tínhamos de serrar aquilo ou então tínhamos de matá-lo! (risos)”

A estória fez rir os presentes, quase tanto como as peripécias do lobo e da raposa, que terminam as suas actuações, em Parises.

“Parises” e não “Paris”, é uma pequena aldeia 20 quilómetros a Norte de S. Brás, não terá o “glamour” dos Campos Elísios, mas terá certamente uma boa surpresa para as crianças, sejam elas novas ou velhas.

Quanto ao VATe, em breve deverá regressar à estrada, mas com uma nova peça: “Mahura”, baseada em contos africanos e com uma forte componente ambiental.

Sem comentários: